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Construindo grandes produtos

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Introdução

O tema que mais tenho pensado ultimamente é sobre a construção de grandes produtos.

Aqueles produtos que realmente encantam, que os usuários amam utilizar.

Não são muitos os produtos que podemos colocar nessa lista, e eu arriscaria dizer que mais de 90% deles são produtos B2C.

Mas e os produtos B2B? Por que é tão difícil construir um grande produto, especialmente para empresas?

O Sensio é um produto B2B, e quase todo o meu tempo é consumido pensando em como torna-lo melhor.

Vamos explorar um pouco mais sobre o assunto.

O conceito de MVP em 2024

Já faz mais de uma década que Lean Startup foi lançado, e será que o conceito ainda se aplica para desenvolver produtos nos dias atuais?

Muita coisa mudou desde que começamos a falar em MVP, e o boom recente da IA promete mudar ainda mais as coisas.

Sempre achei que o conceito era maravilhoso em produtos B2C, mas pecava bastante quando estamos falando do mundo empresarial.

Especialmente no caso de ferramentas de gestão, onde o usuário pode passar horas todos os dias, o sarrafo é muito alto e poucas empresas estão muito dispostas a utilizar protótipos com muitos bugs e poucas funcionalidades.

Mas ao mesmo tempo, é muito arriscado passar anos desenvolvendo algo sem o feedback dos usuários, e há uma grande chance da expectativa não se confirmar na realidade nesse processo.

Na Sensio, esse é um problema que já sofri bastante e ainda sofro um pouco.

A maioria das empresas querem uma visão completa, uma solução integral para um problema, e quando estamos falando de problemas empresariais, mesmo focando em apenas um problema específico, isso pode representar um produto bem grande.

Existe um paradoxo aí: ao mesmo tempo em que você quer (e precisa) construir um grande produto, também não pode comprometer todos os seus recursos construindo algo por anos que pode não se revelar uma real solução pela qual empresas pagariam.

Nossa história na Sensio

A nossa jornada construindo o Sensio não foi (e continua sendo) diferente: cheia de altos e baixos, dúvidas e pouquíssimas certezas.

Começamos com a visão de ser um ERP para pequenas empresas. Em minha cabeça, eu ia construir um MVP em 30 dias, começar a testar com usuários reais, eles iam adorar e a empresa iria crescer exponencialmente logo.

Obviamente, isso passou longe da realidade. Logo vi que o buraco era bem profundo, e comecei a descobrir que iria precisar desenvolver funcionaidades e módulos que eu nem sabia o que eram.

Ainda lembro do meu choque quando ouvi falar sobre escrituração fiscal. Em minha inocência, era "só" desenvolver a emissão de nota fiscal e pronto, não imaginava que ao final do mês você ainda precisava declarar aquilo para a receita estadual em um (ou dois, dependendo da empresa) arquivo que o manual de instruções tinha mais de 400 páginas.

Acho que se eu soubesse lá atrás tudo que seria necessário desenvolver, provavelmente teria tentado uma abordagem de produto diferente, ou tentado resolver um problema diferente. Tenho certeza que a Sensio ainda ia existir, mas talvez com uma solução um pouco diferente.

Por outro lado, a inocência foi uma benção pois fui desenvolvendo e a cada nova função que eu descobria ser necessária, eu já tinha avançado o suficiente para não me deixar desistir.

Após cerca de 6 meses, finalmente consegui iniciar a prototipar em uma empresa de verdade, e aí sim veio o caos.

Tudo começou a ser colocado à prova, e não só uma quantidade infinita de bugs surgiram, como os usuários começaram a me bombardear com pedidos de funcionalidades.

Lembro que foi um dos meses mais corridos da minha vida, onde trabalhei 16 horas por dia todos os dias para dar conta.

O produto evoluiu um pouco e segui para o próximo piloto no mês seguinte, onde achei que agora sim ia ser tranquilo, mas logo comecei a descobrir que seria pior ainda 😄, assim como todos os seguintes até atingirmos algumas dezenas de clientes.

Aqui, é preciso bastante força mental para aguentar o tranco, pois realmente não é fácil. Usuários empresariais dependendo do seu produto para gerenciar a empresa são muito menos pacientes do que usuários tentando abrir um meme em uma rede social.

Alguns inclusive acreditam que por estarem te pagando, podem qualquer coisa, inclusive agirem com grosseria. Demorou um bom tempo até eu entender que muitas vezes o problema nem é você ou seu produto, e sim a própria pessoa.

Após mais de 2 anos de Sensio, decidimos pivotar, mas não totalmente. Passamos a direcionar o produto para indústrias, alterando toda nossa comunicação, deixando inclusive de se intitular um ERP.

No produto, um roadmap mais focado possibilitou criar algumas funcionalidades que provavelmente não teríamos se a gente ainda estivesse "aceitando" qualquer tipo de cliente.

Isso não foi fácil, e até hoje o caminho que teoricamente deixamos de lado ainda nos chama constantemente, e é preciso muito foco para dizer não para algumas oportunidades e solicitações.

Falar cara a cara com um bom cliente que você não vai construir aquele que ele quer é algo mais fácil de falar do que fazer, especialmente se a empresa ainda não tem uma situação financeira tão folgada.

Evoluindo o produto

A partir do momento em que você já tem um MVP nas mãos dos clientes, o direcionamento vai vir de maneira um pouco natural, mas isso não quer dizer que você pode relaxar e só seguir os feedbacks ou que você não precisa mais tomar decisões difíceis.

O caminho até o product market fit (PMF) é mais difícil do que parece, e existem muitos conselhos por aí, mas acredito que um dos melhores é: faça grandes apostas.

Isso não quer dizer que você vai trabalhar em algo em modo stealth por muitos meses antes de mostrar para os potenciais clientes, mas sim que você precisa ser ousado. O mercado já está abarrotado de produtos, e fazer mais do mesmo não vai ser útil.

Por isso, é preciso fazer apostas ousadas para acertar grande. Claro, você provavelmente vai errar grande também algumas vezes até acertar, mas se você só tentar jogar no modo seguro, pode nunca se destacar o suficiente, visto que provavelmente o seu cliente já resolve o problema de outra maneira mesmo.

É aquela história que você precisa ser 10 vezes melhor, ou mais rápido ou barato. E acredito que você não vai conseguir isso fazendo apostas pouco arriscadas ou então se tentar abraçar o mundo.

Encontrar o balanço entre fazer essas apostas e seguir o direcionamento vindo dos clientes é delicado e exige muita reflexão.

Ao mesmo tempo em que uma visão de fora do pode ser ideal para conseguir fazer essas apostas ousadas, pois você não tem o viés de sempre ter feito as coisas da mesma maneira, uma visão de dentro sem dúvida vai te ajudar a identificar o melhor ponto do problema para apostar._createMdxContent

Meu conselho é vestir os dois chapéus. Primeiro, pense como alguém de dentro, tente se colocar na pele do seu cliente, e ajuda muito se você realmente já esteve na pele dele antes. Tente encontrar exatamente o ponto onde não apenas mais dói, mas que também é mais carente de soluções.

Depois, vestindo o chapéu de alguém que não tem nenhuma experiência no assunto, tente imagina como você resolveria esse problema se tivesse uma varinha mágica, sem nenhuma restrição tecnológica ou econômica.

Esse exercício ajuda muito a guiar o processo de descoberta do produto, e evita que você fique preso no básico que todo mundo já faz.

Especialmente se o mercado do seu produto já está cheio de concorrentes, é vital esse pensamento, uma vez que no mundo B2B o custo de se trocar de solução é alto.

Você dificilmente vai convencer uma empresa a trocar a solução atual dela pela sua se você for 10% melhor apenas. E aqui não estou falando apenas de competidores diretos, mas de qualquer ferramenta ou metodologia que utilizem para resolver o problema.

Não tente se basear apenas em concorrentes diretos, mas qualquer forma de solução, lembrando que o Excel é um competidor de 90% dos produtos B2B.

A inovação real depende de saltos ousados. Por favor, não inunde o mercado com mais do mesmo.

Priorizando quando tudo é prioridade

Foco é importante não apenas na vida pessoal mas também na construção de novos produtos B2B.

É comum querermos abraçar o mundo e entregar um produto o mais horizontal possível. Isso acontece principalmente porque quando começamos a chamar um pouco de atenção do mercado, segmentos diferentes vão imaginar casos de usos diferentes para o seu produto.

Se você está fazendo um ótimo trabalho reduzindo o desperdício do varejo, pode ter certeza que vai ser abordado por alguém da indústria te perguntando se não consegue replicar os resultados para ele.

É tentador querer atender esses pedidos, afinal, provavelmente você não é uma máquina de dinheiro que pode se dar ao luxo de recusar clientes.

Mas no longo prazo, esses desvios de rota e perda de foco vão ser prejudiciais.

Dizem que quanto mais nichado, melhor. E em termos gerais, concordo com isso.

É claro que existem casos estrondosos de sucesso de produtos B2B horizontais e que existe sim uma chance de você acertar em cheio.

Mas na grande maioria das vezes, focar em um nicho vai te ajudar a crescer de maneira mais rápida, mesmo que seja contraintuitivo.

Além disso, tenho certeza que vai ser melhor para sua saúde mental também. Ter que construir um produto que agrada (e é útil, fundamental no B2B) para segmentos muito diferentes pode ser extremamente desgastante e te deixar maluco.

Mesmo focando em um segmento, é muito provável que você se veja com um backlog gigante, maior do que sua capacidade de construir, e que tenha que fazer difíceis escolhas de priorização.

Meu conselho é tentar equilibrar as tarefas menores, os incrementos às funcionalidades existentes vindos dos feedbacks dos clientes, com alguns tiros mais arriscados, como mencionei na seção anterior.

Mais da metade do seu tempo deve ser dedicado a construir coisas que surgem dos pedidos e da observação e análise dos usuários, mas você também precisa reservar tempo para real inovação, fazendo apostas que podem pagar mais alto.

Na Sensio, estamos focados no mercado industrial, e maior parte das funcionalidades que os clientes mais utilizam não foram pedidos, mas sim apostas mais ousadas, como o kanban de produção ou a busca global.

Dito isso, na prática não é tão fácil assim trabalhar esse equilíbrio.

Quando você precisa decidir se no próximo sprint vai colocar uma flag que facilita a vida de um cliente específico ou se começa o desenvolvimento de um módulo novo de FMEA por exemplo, que pode abrir novas oportunidades no mercado, você pode ter que fazer escolhas que não gostaria, especialmente se o cliente que pediu a flag é grande e está no seu pé.

Juntando tudo

O caminho para a construção de um grande produto nunca é linear.

Não só é muito difícil acertar e conquistar usuários satisfeitos, mas também muito complicado manter o ritmo.

Evitar a inércia é muito mais difícil do que parece. Depois de um tempo, não é que você se acomoda, mas é que tudo começa a ficar mais complexo: existem tantas interações entre módulos e funcionalidades que qualquer adição ou alteração se torna muito maior do que deveria.

Isso faz com que muitas startups estagnem e parem de inovar.

Para evitar isso, procure continuar conversando sempre com seus usuários e potenciais clientes, entendendo as dores e necessidades deles, e principalmente, tendo empatia.

Se imagine na pele do seu usuário por um dia. Como seria ficar o dia inteiro utilizando seu produto.

E não deixe o ritmo cair. Sabemos que aquela velocidade alucinante do começo é impossível de manter, justamente pelas complexidades adicionadas, mas se force a entregar novidades sempre.

Na Sensio, estávamos começando a entrar nessa espiral de estagnação no final do ano passado, quando a maior parte das necessidades básicas da nossa base de clientes já estava suprida.

A solução que encontrei para fugir dessa inércia foi um changelog público. Agora, toda quarta-feira publico um post com as novidades da semana, sempre com um destaque.

Enviamos esse página para todos os clientes, e eles próprios passaram a esperar pelo post da semana, nos dando mais um motivo para não falhar (e por enquanto ainda não fizemos isso 😊).

Ainda estamos longe dos nossos objetivos, mas também cada vez mais longes da linha de largada. Estamos naquela fase complexa que Scott Belsky chama de Messy Middle, em tradução literal, o meio bagunçado.

Mas mesmo sabendo que o caminho à nossa frente ainda reserva muitas surpresas, tanto positivas quanto negativas, tenho passado cada vez mais a apreciar as imperfeições do processo.

Mais uma vez, construir grandes produtos não é nem um pouco fácil, e muitas vezes exaustivo e angustiante, mas não existe satisfação maior do que ver um usuário incorporando seu produto no dia a dia dele com amor. E isso vale a pena.